Marcelo Gleiser – Criação Imperfeita II
O autor fala em seu livro que minimizar a importância e o poder da fé na vida das pessoas é um erro grave. Aqueles que acham que a tecnologia necessariamente leva a uma sociedade cada vez mais secular deveriam dar uma boa olhada em volta. Ele mostra uma pesquisa feita nos Estados Unidos cujo resultado demonstram que esse país são uma das nações mais religiosas do mundo. Concluindo ele que mesmo que a crença em Deus seja menos prevalente na maioria dos países da Europa e do Sudeste Asiático, não há dúvida de que vivemos num mundo onde o conceito de uma divindade sobrenatural é muito presente. Os incríveis avanços científicos dos últimos quatro séculos não criaram grandes mudanças no número de fiéis, mesmo se comparando com a Grécia ou o Egito Antigos. A pesquisa foi feita em 2008 pela Fundação Pew entrevistando 35 mil pessoas, com idade acima de dezoito anos. Noventa e dois por cento dos entrevistados responderam sim a seguinte pergunta: Você acredita em Deus ou num espírito universal ? De cada dez americanos em média sete têm certeza absoluta de que Deus existe.
Segundo Marcelo Gleiser , a fé brota da nossa dificuldade de lidar com o imprevisto, com o que está além do nosso controle ou compreensão. Se somos apenas carne e osso, uma mera coleção de moléculas sujeitas às leis da Natureza, não temos outra alternativa senão seguir o curso das coisas materiais e ao final retornar ao pó inanimado de onde viemos. É muito tentador acreditar que o fim da vida não é o fim da nossa existência, que é possível ir além das rígidas limitações temporais impostas pelo materialismo. O primeiro passo a ser dado pelos cientistas é admitir que a ciência tem limites. É necessária que ela seja humanizada, relacionada com a cultura em que existe.
O primeiro filósofo natural a fazer um pronunciamento científico sobre o mundo: “Tudo é feito de uma única substância”. Tales de Mileto defendia a unificação da matéria. Segundo ele, na coreografia de criação e destruição que caracterizava o mundo natural, tudo que existe vem dessa matéria e para ele reverte. Portanto, segundo Marcelo Gleiser, já na sua origem, a filosofia natural grega prega a noção da unidade de todas as coisas. Com o passar dos séculos, a noção de unidade material da natureza, apesar de sofrer várias transformações, persistiu. Citando o historiador da ciência Gerald Holton, da Universidade de Harvard que usa a expressão “encantamento iônico” para ilustrar a busca pela unidade na ciência. Esse encantamento continua tão presente no pensamento científico moderno como era então, há mais de dois milênios. É no legado Pitagórico que encontramos a noção de que o mundo natural pode ser descrito através de relações matemáticas que traduzem, de forma racional, a sua perfeição e simetria. Essencialmente, a mesma crença, de que a natureza , em sua essência, é simétrica e perfeita, forma o arcabouço das teorias de unificação da física moderna. Os pitagóricos acreditavam que, sob o aparente caos do mundo, existiam simetrias matemáticas que revelavam a simplicidade e beleza da Natureza: o código oculto da Natureza.
De qualquer forma, as idéias atribuídas a Pitágoras vem nutrindo os sonhos daqueles que buscam o código oculto da Natureza. Ao contrário dos iônicos, para os pitagóricos a essência da Natureza estava nos números e nas suas relações, e não na unificação da matéria. A física moderna combina as duas noções: a unificação da matéria será descrita por números e por simetrias expressas através de relações matemáticas. Na premissa de que a criação é obra de um Deus racional, a matemática passa a ser a ferramenta que nos permite desvendar os seus segredos e, assim, estabelecer uma união com o criador. Na tradição intelectual do mundo ocidental, o misticismo matemático de Pitágoras transformou-se na ponte entre a razão humana e a inteligência divina.
No próximo post analisarei sobre a evolução copernicana descrita no livro do Marcelo Gleiser.